quarta-feira, 23 de junho de 2010

Uma nova educação litúrgica

O trecho que segue abaixo foi retirado da obra Deus e o Mundo de Joseph Ratzinger a fim de responder, ao menos parcialmente, a questão que foi proposta no final do artigo anterior. A minha intenção não era a de colocar esse complemento referindo-se apenas a liturgia, mas face aos diversos comentários que foram feitos em virtude do exemplo utilizado para esclarecer o princípio que eu defendia no texto farei essa cessão.

"Em substância, o primeiro passo para uma futura reforma litúrgica seria derrotar a tentação de uma atitude despótica, que concebe a liturgia como objeto de propriedade do homem, e despertar novamente o seu senso interior do sagrado. O segundo passo consistirá em avaliar onde os cortes foram drásticos demais [da reforma promovida por Paulo VI] e restabelecer de forma clara e orgânica as conexões com a história passada. Eu mesmo falei, neste sentido, de reforma da reforma. Mas, na minha opinião, tudo isso deve ser precedido por um processo educativo para represar a tendência para a mortificação da liturgia com invenções pessoais.

Para uma conscientização reta em matéria litúrgica, é importante deixar de lado a atitude de suficiência em relação a forma litúrgica em vigor até 1970. Quem hoje sustenta a continuidade dessa liturgia ou participa diretamente de celebrações dessa natureza é marginalizado e culpabilizado; não há tolerância nenhuma a respeito. Nunca aconteceu algo assim na história; dessa forma, todo o passado da Igreja é desprezado. Como confiar no seu presente se as coisas estão dessa forma? Tampouco entendo, para ser franco, por que tanta submissão por parte de muitos confrades bispos, a respeito dessa intolerância, que parece um tributo obrigatório ao espírito dos tempos.

Tudo depende da existência de lugares exemplares nos quais a liturgia seja celebrada corretamente, nos quais possamos viver pessoalmente o que ela é; desses lugares brotará uma espécie de movimento que perseguirá de dentro o que não pode simplesmente ser imposto de cima.¹


¹ Joseph Ratzinger, Deus e o mundo, p. 379s

quarta-feira, 16 de junho de 2010

E sereis como deuses...


O primeiro pecado das religiões judaico-cristãs não ficou restrito ao seu tempo e espaço, o mesmo atravessa toda a história humana estando fortemente presente na sociedade atual.


A narrativa do pecado original pode ser tida como um mito, mas a preciosidade e a contribuição que esse texto traz para as pessoas não está em sua veracidade histórica e sim na percepção que o autor sagrado teve do comportamento humano. O pecado original não está apenas na queda de Adão, mas é o primeiro passo para a queda de muitos homens e mulheres em suas diferentes dimensões, afetiva, familiar, profissional, etc.


"E sereis como deuses", esse trecho demonstra claramente a vontade que está enraizada no homem, depender unicamente dele mesmo, ter todas as situações sob o seu controle. Característica essa muito incentivada pela cultura "New Age" na qual cada pessoa é capaz de realizar tudo aquilo que ela acredita poder fazê-lo e as suas limitações não tem a compreensão e abordagem adequada para que se tenha uma psique sadia.


Não se trata apenas de afirmar que não se deva buscar sempre ser um ser humano melhor, a melhoria deve ser constante, mas não se pode esquecer que existem limites, pontos dos quais os seres humanos não podem ultrapassar e mesmo naquilo que cada pessoa já está devidamente preparada para realizar, seja profissionalmente ou pessoalmente, o erro, a falha serão sempre fantasmas que as acompanharão. Se o erro, a queda é inerente ao ser humano, querer ser como um deus é uma utopia, um ponto inatingível.


A segunda parte da motivação da serpente para que Eva coma o fruto proibido é que ela seria "conhecedora do bem e do mal", esse é outro ponto que está claramente presente no mundo atual. Quantas pessoas acreditam saber o que é correto se fazer em uma determina ocasião e ignoram todos os conselhos ou mesmo as normas já existentes?


Problemática essa muito presente, por exemplo, no seio da Igreja Católica onde vários padres se conferiram o direito de poder modificar os ritos fazendo o que acreditam ser o melhor, mas sequer fazem idéia das conseqüências que esse fato tem sob os crentes.


"O rito é um movimento em e para a profundidade. Os ritos não são inventados; são encontrados, descobertos, vivenciados e surgem a partir do encontro arquétipo com o profundo."¹ O grande problema que os sacerdotes católicos, tido como modernistas, podem inserir na psique dos fiéis católicos é a retirada da profundidade do sentido da existência humana. Com gestos e atitudes que visam apenas o ser fisiológico se esquecem que não basta apenas suprir as necessidades do corpo ou mesmo provocar descargas hormonais para que gerem sensações prazerosas.


Quando o ser humano vivencia o rito essa condição "traz paz e é isto que confere o único significado à vida humana."² Viver o rito é retomar o encontro com o Si - mesmo, com Deus. Um simbolismo que remete a um fato passado, mas que proporciona um encontro no presente com a nossa realidade transcendente.


Porém, "repetidos, os ritos perdem a capacidade de apontar para além de si mesmos."³ A vivência do rito não pode ser uma vã repetição4, sendo o rito um movimento em e para a profundidade quando o mesmo é vivido traz consigo sempre algo de novo. Isso faz com o rito sempre seja um novo encontro, para quem vive o rito católico, comungar não é sempre a mesma coisa, o ofício divino não é sempre igual, a liturgia não é apenas uma vã repetição é sempre um novo encontro com Deus.


É imprescindível saber discernir o certo do errado, ser "conhecedor do bem e do mal", porém o erro, o pecado, é quando o critério é subjetivo. O que pode garantir que avaliação seja sempre correta? Que quando se crítica ou se propõe modificar algum ponto, algum rito do homem, da sociedade ou da Igreja foi realizado um julgamento justo?


Questões difíceis que demandam muitas linhas para que se tenha uma resposta razoável, mas que me proponho fazê-la no próximo artigo. Entretanto, para aqueles que tem fé em Cristo Jesus, não é necessário se delongar nessa questão já que Cristo é o modelo do homem ideal e a sua regra é o amor.


¹ James Hollis, Sob a sombra de saturno, p. 23
² Ibid., p. 23
³ Ibid., p. 23
4 Mt 6, 7

terça-feira, 8 de junho de 2010

Tantos...


Tem muita gente com muito medo de Deus e nem se dá conta que possui esse sentimento.


Paulo afirma que a nossa vida está escondida com Cristo em Deus, logo ter medo de Deus é também ter medo de viver. E o que é viver?


Viver é conhecer a si mesmo, reconhecer limitações e imperfeições que todos os seres humanos possuem. Viver é ter a coragem de reconhecer que não é tudo que depende de si próprio. Viver é amar, desejar o bem a todos. Viver é ser humano. Viver é ter a coragem de gritar que sou fraco, que não dou conta sozinho. Viver é saber apreciar tudo que o mundo nos oferece sem tomar posse de nada. Viver é ser amado, viver é ser ajudado, viver é ser perdoado. Viver, viver, viver. Não existem palavras que possam expressar as ações decorrentes desse verbo com apenas cinco letras.


Muitos se contentam em sobreviver, basta saciar seus apetites, seus instintos, seu ego, esses se diferenciam dos animais pelo fato de usarem cartões de crédito e dirigirem carros, entre outras coisas. Essas pessoas não se conhecem, se não se conhecem não se amam, já que não se pode amar aquilo que não se conhece. Quem não se ama e ama as outras pessoas pode dizer que vive?


Se encontrar com Deus, é encontrar a vida, é aprender a viver. É estar ciente das dificuldades presentes com a cabeça erguida.


O encontro com Deus faz com que pessoas fracas, pequenas, loucas, sejam promotoras de mudanças profundas no meio em que elas vivem. O encontro com Deus dá a pessoa coragem de ser feliz apesar de tudo que possa dá errado.


A sociedade está do jeito que está porque faltam pessoas com a coragem de viver, muitos perderam o sentido da vida. O encontro com Deus não é simplesmente uma experiência individual, seria muito pouco. Quando uma pessoa se encontra com Deus e, com isso, vive, a sua experiência pessoal passa tão despercebida e promove poucas mudanças ao seu redor quanto o fato de se acender uma luz em um quarto escuro. Uma lâmpada, uma experiência individual, mas que faz a diferença em todo o seu entorno.


Tantos com medo de Deus, tantos depressivos, tantos com medo de viver, tantos mortos vivos, tantos com medo de ser feliz, tantos nas trevas...