quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Uma fé madura...


Talvez todos que participam frequentemente de alguma Celebração Litúrgica já ouviram ao menos uma vez que é preciso ter uma fé madura. Jesus afirma no Evangelho que quem tiver a fé como a de uma criança entrará no Reino dos Céus. Como a fé de uma criança pode ser essa fé madura que tantos arautos do Evangelho dizem que se deva possuir para alcançar a vida eterna?
Uma problemática atual se dá pela confusão que é gerada pela distinção errônea entre a fé "de criança", citada no Evangelho, que não é uma fé infantil, e a fé madura, que não é uma fé puramente racional. E o presente texto pretende demonstrar o que é a fé madura pela via negativa, ou seja, pelo o que não é para que na conclusão se possa definir o tema proposto de forma positiva.
Hoje muitos teólogos católicos que possuem uma vasta formação acadêmica têm utilizado uma chave de leitura para as Sagradas Escrituras e para o Sagrado Magistério um tanto quanto protestante. Bultmann, um teólogo protestante, propôs a "demistificação" da Bíblia, ou seja, retirar todos os mitos para que se encontre o Cristo histórico, e com isso diversos milagres de Jesus já deixaram de ser milagres e passaram a indicar a conversão das pessoas que o ouviam. Por exemplo, o milagre da multiplicação dos pães, já não é um milagre e sim a conversão de alguns que compraram e partilharam o pão com os outros, enfim, reduz Jesus a apenas um homem.
De fato, essa metodologia desenvolvida por Bultmann, consegue responder a mais questões, do ponto de vista racional, do que a metodologia que é ensinada pela Igreja. O homem está em busca de respostas para questões básicas, "quem sou eu", "de onde vim" e "para onde vou", e qualquer meio que, de forma plausível, facilite a obtenção dessas respostas é considerado válido por muitos.
Como essa metodologia invadiu várias escolas de teologia católicas essa mesma chave de leitura é aplicada não apenas às Sagradas Escrituras como também a todo o Sagrado Magistério da Igreja. O resultado é catastrófico, hoje muitos já não acreditam nos dogmas, que são verdades de fé irrevogáveis, proclamadas solenemente pela Igreja. Aquilo que deveria ser o ponto de equilíbrio e até mesmo o limite para especulações sobre a fé, o Magistério da Igreja, está sendo objeto da "demistificação", querem retirar o que elas chamam de mito de todo o ensinamento da Igreja.
E para eles o que é um mito? Tudo aquilo que a razão humana não consegue explicar. Coitado daqueles que se fixam na imanência e se esquecem da transcendência, em suas análises deformam e mutilam tanto a Deus, quanto ao ser humano, porque nenhum dos dois se limitam a apenas um dos dois aspectos citados.
Fato esse que tem gerado uma grande crise de fé no seio da Igreja, muitos já não acreditam na presença real de Cristo na Eucaristia, na Doutrina das Indulgências, na Imaculada Concepção e Assunção de Corpo e Alma da Virgem Maria. Fé madura é limitar Deus aos padrões e limites da razão humana? Fé madura é desprezar todo o ensinamento bimilenar da Igreja Católica, a qual Cristo prometeu que as portas do inferno não prevalecerão sobre ela?
Também podemos inferir que uma fé madura certamente não é infantil. A fé exige compromisso, conversão, metanóia. Uma pessoa não pode dizer que tem fé e ano após ano não se tornar uma pessoa melhor para a comunidade, para a família e para a Igreja.
Aqueles que possuem uma fé madura não podem se limitar a um sentimentalismo exacerbado e com isso terem apenas uma fé romântica, embaladas por lindas melodias e isenta de cravos, espinhos e cruzes.
As crianças acreditam em vários absurdos que escutam dos pais, "foi uma cegonha que te trouxe", "o papai Noel é quem te dá os presentes de Natal". Isso se deve simplesmente porque elas confiam em seus pais, mesmo que já tenham levado algumas palmadas, ficado de castigo, elas sempre acreditam em seus pais.
Na doutrina católica, o próprio Papa Bento XVI, reconhece, que existem algumas verdades que aparentemente são contraditórias, mas o próprio Papa nos ensina que pela ação do Espírito de Deus conseguimos perceber que na verdade não são contradições, mas apenas aspectos que superam a nossa razão e a nossa lógica, mas estão segundo a perfeita razão e lógica de Deus, que é infinitamente superior a do homem.
Acreditar nessas Verdades de fé e crescer a cada dia na Graça do Senhor através de um processo contínuo de conversão, sempre pedindo para que a cada dia Deus aumente a fé, é sem sombras de dúvidas, uma fé madura.
"A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi ela que fez a glória dos nossos, antepassados. Pela fé reconhecemos que o mundo foi formado pela palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível." (Hebreus 11,1-3)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Desabafo


É assustador o tamanho da mediocridade de muitos católicos. É impressionante a incapacidade de analisarem o quadro social e político atual no Brasil como cristãos autênticos.
Primeiramente é importante que se tenha em vista quais são os valores imprescindíveis para se ser cristão. A regra é o que ensina o Sagrado Magistério da Igreja, sobretudo a partir da Sagrada Tradição e da Sagrada Escritura. E qual ensinamento é esse? Tudo passa pelo amor e o temor a Deus.
Amando e temendo a Deus acabar-se-á por cumprir uma das regras de ouro do Santo Evangelho, "tudo aquilo que quiser que os outros te façam, faça você mesmo a eles". Mas não se trata de simplesmente fazer a vontade do outro. É preciso ter em vista que o que eu verdadeiramente desejo, mesmo que inconscientemente, é que os outros me façam o melhor para o meu crescimento e não saciem a minha vontade e meus anseios, que pode ser muitas vezes egoísta e hedonista. Com isso o que se deve fazer ao próximo é o que é necessário para a sua edificação e santificação.
Infelizmente fazer o que é necessário está fora de moda em nome de praticar o que é "politicamente correto", em nome de um pseudo amor e respeito humano permite-se que as pessoas se enveredem por um caminho de morte, afinal de contas cada um tem o direito de fazer o que deseja para a sua vida.
O livre-arbítrio garante esse direito, mas aqueles que tem consciência dos erros e desvios do seu próximo, de sua comunidade, não têm o direito de se calarem, sobretudo se forem católicos, afinal de contas aonde está a missão e a evangelização, trancados e amordaçados em um "farisaísmo", em um "túmulo caiado"?
O que muitos não entendem é que não há distinção entre o estar na Igreja e o estar no mundo, com as devidas peculiaridades, em todos os ambientes é preciso dar testemunho da presença de Cristo, e por sinal, muitas vezes essa presença vai mais incomodar, mas irá fazer o que é necessário.
Com isso um cristão não pode simplesmente votar em um candidato por ele ter os melhores resultados na área econômica. Padre Dehon ensina que "o verdadeiro progresso é a dignidade humana", com isso aqueles que insistem em extirparem da sociedade brasileira toda a moral católica não estão servindo ao povo brasileiro, mas sim a ideologias e partidarismos que já mataram milhões de pessoas em todo o mundo.
Os católicos, em um bom número, já se esqueceram da transcendência e se fixam apenas na imanência. Indicadores econômicos, geração de empregos, criação de vagas universitárias, tudo isso passou a ser superior a Jesus Cristo. Muitos se esqueceram do que Jesus disse a Pilatos, "o meu Reino não é desse mundo", realmente o Reino de Deus não é desse mundo que prega a cultura da morte, a união civil e a adoção de crianças pelos homossexuais, a proibição dos símbolos religiosos em lugares públicos, isso é tudo, menos o Reino de Deus.
Muitos já se esqueceram de como os primeiros cristãos deram testemunho do Reino de Deus, não foi dobrando os seus joelhos diante dos romanos, da sua cultura e religião, mas derramando o seu sangue, apesar de todo o progresso que os romanos levaram através de sua engenharia para as cidades por eles dominadas os mártires "agarram os bens que não passam".
O que dizer? O ensinamento de Parmênides é mais atual do que nunca, "o homem é a medida de todas as coisas", o que se pode esperar de quem pensa assim? Resta-nos a promessa de nosso Senhor de que as portas do inferno não prevalecerão, e basta isso, porque a vitória que os nossos olhos não vêem, o nosso coração sente, "em Cristo somos mais do que vencedores" e quem perseverar até o fim verá.

domingo, 31 de outubro de 2010

A Igreja e a descoberta do homem


O homem precisa encontrar consigo mesmo para poder ser o protagonista e não apenas um mero figurante em sua própria existência. Como a Igreja contribui para que haja esse encontro?



Jung já ensinava que para aquele que participa, verdadeiramente, da Igreja Católica, não é preciso procurar um especialista para conduzi-lo ao encontro com o Si – mesmo, porque própria Igreja irá cuidar para que esse encontro aconteça. Mas o que a Igreja pode oferecer a cada pessoa de modo que ela se torne psicologicamente integrada?


Em uma sociedade em que se está ficando fora de moda acreditar no que supera e transcende a razão humana, a resposta a essa questão proposta no final do parágrafo anterior, pode decepcionar a muitos. Sendo o encontro com o Si – mesmo um encontro com Deus, como nos ensina São Paulo “a nossa vida está escondida com Cristo em Deus”, o que a Igreja tem a oferecer para propiciar esse encontro são todos os sinais visíveis que ela recebeu do próprio Cristo Jesus, os Sacramentos.


Por exemplo, um problema muito atual é que as pessoas já não conseguem romper com muitos comportamentos infantis, a mudança da infância para a adolescência e, desta para a idade adulta em muitas ocasiões não se dá de maneira sadia. Com isso se tem crianças querendo se vestir e se comportar como adultos, adultos que em diversas situações, e não raramente, possuem um comportamento super infantil. A falta dos ritos de passagem contribuem significadamente para esse quadro.


Os Sacramentos do Batismo e do Crisma além de todo o valor espiritual, possui ou deveria possuir reflexos na vida do cristão. Aqueles que compreendem toda a dinâmica e a realidade desses Sacramentos possuem uma metanóia. Porque após esses ritos esperasse um comportamento diferente, uma verdadeira conversão.


Outro problema comum é o apego a pessoas e objetos. Muitos não conseguem viver sem a aprovação da mãe, por exemplo. Outros se apegam aos bens materiais ou prazeres sexuais, ou alguma outra forma do hedonismo. Os Sacramentos do Matrimônio e da Ordem ensinam como as pessoas devem se portar diante das pessoas e dos bens temporais, embora não seja apenas esses os efeitos desses Sacramentos, eles contribuem significadamente para que as pessoas vivam a castidade, a pobreza e a obediência, no sentido mais autêntico e positivo dessas virtudes.


O Sacramento da Unção dos Enfermos é um Sacramento da Cura, sobretudo espiritual e ele se constitui um sinal de contradição para aqueles, que hoje são muitos, que colocam a sua confiança e se dedicam apenas em adquirir bens materiais e prazeres e que não suportam a idéia da morte. Através desse Sacramento os cristãos são lembrados e incentivados a viverem bem o presente, pois não adianta se preocupar com o futuro, como nos ensina o Bom Mestre, “a cada dia basta a sua preocupação.”


Pelo Sacramento da Confissão cada pessoa tem a oportunidade de reconhecer que realmente ninguém é perfeito, pelo efeito do Pecado Original, o homem deseja fazer o bem, mas acaba fazendo o mal que não quer como exortava São Paulo, a partir de sua própria experiência. Em um mundo no qual se exige que o homem não erre, se reconhecer como um “errador”, não é nada fácil. Mas somente aquele que se conscientiza que não é capaz de realizar tudo sozinho e que precisa de uma ajuda do Alto se torna capaz de melhorar cada vez mais, se tornar mais humano.


E ainda há o grande Sacramento, Aquele, que como o Catecismo da Igreja Católicatem todos os outros Sacramentos submetidos a Ele, pois esse Sacramento é o próprio Deus, Jesus Eucarístico. Aqueles que realmente estão preparados para receber a Divina Eucaristia fazem dela um encontro com Deus e consigo mesmo. A Eucaristia é o ápice da vida cristã pois é com Ela, nEla e por Ela que o cristão obtêm a força necessária para se conformar a imagem de Cristo, no qual está encerrada a plenitude do homem. Tudo que pode se esperar de bom de uma pessoa está em Cristo, e quanto mais uma pessoa tomar a formar, ser a imagem e semelhança de Jesus, mais a pessoa se tornar um bom cidadão, bons pais e bons padres.


As pessoas não fazem idéia do tesouro que está encerrado na Igreja, esse tesouro é a vida plena de cada um, porque a Igreja é Cristo e é em Cristo que cada um se encontra. O homem precisa ter a coragem de acreditar que a melhor coisa que ele pode fazer por ele mesmo consiste em se abandonar nesse mistério que a sua razão não entende, mas a sua alma e seu coração sentem.


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A verdadeira e urgente descoberta


A cada dia se percebe como as pessoas têm acreditado em um Deus puramente racional ou já não acreditam nEle. Pode-se atribuir esse fato apenas a uma evolução cultural e científica da sociedade ou esses fatos indicam problemas mais pontuais e profundos?

“A sociedade é o espelho exteriorizado da psique individual”¹ , portanto a descrença e o reducionismo de Deus para dimensões suportáveis pelo ego indicam a fragilidade e a falta de individuação dos homens da sociedade atual.²

“O paradigma clássico da individuação é a conversão de Paulo no caminho de Damasco. Ele teve um encontro com o Si - mesmo, simbolizado pela imagem de Cristo, e esse encontro transformou a sua vida. A partir daquele momento, ele não era mais um homem 'egocentrado', mas um homem centrado no Si - mesmo. E, depois disso, em suas cartas ele descreve a si mesmo como ‘escravo de Cristo’. Esse é o efeito de um encontro decisivo com o Si - mesmo.”³

O Si - mesmo é uma Personalidade Maior, é Deus, que reside no íntimo de cada homem, e o caminho para esse encontro se dá pela individuação, pelo autoconhecimento. O homem que realmente se conhece, conhece a Deus, e por isso sabe que existe Algo em seu interior a qual ele é submisso. O homem que busca ter uma vida plena busca incessantemente se conhecer e percebe que a sua vida está escondida em Deus. 4

O encontro com o Si - mesmo permite que o homem conheça as suas misérias, as suas limitações, e também, as suas qualidades. Porém quando acontece esse encontro o ego se relativiza, e o homem reconhece que a sua vida é governada por um Ser superior a ele, Deus. 5

Como se percebe na sociedade atual existe uma progressiva e rápida diminuição da fé em Deus, do temor a Deus a um ateísmo, senão teórico, mas pelo menos prático. Muitos vivem como se Deus já não existisse.

Situação essa que já é muito grave, mas como se pode deduzir pelo o que foi escrito acima essa situação, talvez com exceção dos filósofos ateus, se deve ao desconhecimento do homem a respeito de si mesmo. O homem já não se conhece, não conhece suas limitações, suas capacidades e é dominado pelo individualismo.

É comum pessoas sem identidade nesse quadro, porque a identidade se desenvolve durante o processo de individuação.6 Quem não se conhece não é capaz de dizer, ou melhor, viver quem realmente ela é, e por isso é levada pelas ondas da moda e corre atrás de qualquer novidade. 7
“Os membros da sociedade atual precisam ter uma percepção autêntica de sua própria identidade; eles precisam adquirir uma estrutura de caráter que lhes possibilite funcionar de maneira responsável em relação às outras pessoas.”  8

Pessoas vazias, egoístas, vidas sem sentido, cada vez mais pessoas com depressão e cometendo suicídio; é preciso mais algum sinal de que existe algo muito errado na atualidade?

Enquanto o homem não se descobrir e portanto ter um encontro com Deus continuará caminhando para uma catástrofe, sem saber para onde vai, e sem saber quem ele realmente é.



 
1 EDINGER, Edward. Ciência da Alma; São Paulo: Paulus, 2004, p.39
2 Para que se compreenda melhor a individuação recomendo a leitura do post "Sintomas", anterior a esse post no blog Junto ao Coração do meu Jesus.
3 EDINGER, Edward. Ciência da Alma; São Paulo: Paulus, 2004, p.32s
4 Cf. Colossenses. Português. In: Bíblia sagrada. Ave Maria. 3,3. N. T.
5 Ibidem, p.39
6 Cf. Ibidem, p.122
7 Cf. RATZINGER, Joseph. Homilia na Santa Missa "Pro Eligendo Romano Pontifice", 18/05/2005
8 EDINGER, Edward. Ciência da Alma; São Paulo: Paulus, 2004, p.36

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sintomas...

Existem muitas coisas que realmente não são claras no mundo atual, e que, sem anacronismo algum, outrora pareciam ser, se não mais claras, eram pelo menos mais bem aceitas. E uma dessas coisas é o que se convenciona como “norma de conduta” para as ações, pensamentos, comentários ou mesmo as omissões do indivíduo na sociedade atual.

Há diversos fatores que contribuem para que o homem esteja nesse problema atual, de modo especial a individualização e o problema ético.

A individuação é o processo, segundo Jung, que a pessoa toma consciência de si mesma.¹ Todo o indivíduo que tem uma psique sadia passou por esse processo.² De forma simplória pode-se entender a individuação como sendo o que o homem conhece a respeito de si mesmo, o autoconhecimento. Pessoas que não se conhecem se tornam individualistas e buscam saciar as suas vontades com ou sem questionamento.

Pessoas que não passaram pela individuação são imaturas, algumas se tornam “eternas crianças” e de certa forma essa condição contribui para que se abra o espaço para que se crie o problema ético. O que é nomeado como a “ética de Maquiavel” não é simplesmente um conceito que o autor criou, mas foi inferido, percebido, pelo mesmo, a partir do que ele observou ao seu redor.

O homem que não conhece a si mesmo pode estar fazendo uma opção inconsciente pela “ética de Maquiavel”. Os fins passam a justificar os meios. Como as pessoas desconhecem o efeito que determinada atitude possa ter em sua vida, elas também desconhecem os efeitos na vida do outro.

Uma grande contribuição da ética maquiavélica para a condição atual é a colocação de cada pessoa no centro de sua própria vida, o egocentrismo. Com cada pessoa girando em torno de seu próprio “umbigo”, muitas estão em ordem colidente, e a pessoa mais “forte” passa por cima da outra, já que o importante é que cada pessoa continue na órbita que ela havia traçado para si mesma.

O individualismo tem consequências que vão muito além da realidade individual do ser. A partir do momento que para um número considerável de indivíduos a “norma” passa a ser o que cada um pensa a respeito de determinada situação não existe um padrão ético, e com isso não há justiça.

Com o individualismo também passa a existir o relativismo, e no relativismo a “regra do jogo” é a ética maquiavélica, o fim desejado é o prazer e uma “pseudo alegria” e assim qualquer meio justifica esse fim.

O individualismo e o relativismo alimentam o ego do homem, e o homem orgulhoso valoriza apenas a sua opinião, os seus conceitos. Para ele sempre são necessárias a criação de novas estruturas e novos conceitos com os quais ele sacie o seu mundo interior.

Em nome de uma necessidade individual o homem relativista é capaz de desprezar tudo aquilo que já existiu, para que apenas o que ele “acha” sobre determinado tema seja a regra. Leis e tradições de instituições que durante centenas de anos suportaram a vários conflitos e heresias se vêem ameaçadas hoje, porque cada indivíduo deseja colocar o seu ponto de vista como regra e assim a unidade já não existe. E o agravante que a vontade, o ponto de vista do indivíduo varia em uma frequência bem superior as das marés, “o que é certo hoje, não será mais certo amanhã, mas quem sabe semana que vem será correto novamente.”

Enquanto cada pessoa se preocupar em satisfazer apenas a sua vontade e acreditar apenas em suas opiniões dificilmente o ser humano passará a ser valorizado com o devido valor.

Deus nos ensina através da criação que no caos não pode haver vida. Assim como os planetas do sistema solar estão ordenados em torno do Sol em órbitas concêntricas, é preciso que os homens estejam em torno de um ideal maior, para que as suas vidas estejam ordenadas.³

O homem só consegue perceber esse ideal maior quando se conhece, e se conhecendo é capaz de identificar qual é o seu lugar no mundo. Egoísmo, relativismo, hedonismo são apenas sintomas de um mal ainda maior, o homem não sabe mais quem ele é.

 1 EDINGER, Edward. Ciência da Alma; São Paulo: Paulus, 2004, p. 31
2 Ibidem, p.24
3 Cf. MARIAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p.04

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ser feliz...


Talvez não exista ninguém que tenha dito que “nasceu para ser feliz”; mas existe alguém que pode ser plenamente feliz?

Já filósofos por volta do ano 650 a.C. perceberam que as forças existentes na natureza, e, sobretudo, no interior do homem existem de tal forma que sempre há uma que se opõe à outra, alegria e tristeza, prazer e dor, amor e ódio, vida e morte.

Nesse jogo de forças opostas o homem pode ser jogado de um lado para o outro. Sempre um lado contribuirá para satisfazer, “preencher”, e o outro para “esvaziar” o homem. Se considerar o primeiro como sendo o lado claro, iluminado e o segundo como o lado escuro, trevas, poder-se-á perceber como o ditado popular que diz “só se valoriza aquilo que perdeu” tem sentido.

Quando o homem está satisfeito, está “na luz”, ele pode não perceber que caminha para as trevas, para a insatisfação, porque o homem que está saciado, muitas vezes pode se tornar acomodado. Quando se está na luz talvez não seja fácil perceber onde a treva se encontra, mas nesse caso a recíproca não é verdadeira. Quando se está nas trevas, insatisfeito, o menor feixe de luz pode ser suficiente para quebrar a escuridão e orientar o homem rumo à luz.

É como um navio que ao longe avista a luz de um farol, a luz não é suficiente para dissipar toda a escuridão da noite, mas já é suficiente para indicar por qual caminho seguir. Schopenhauer afirma que não se pode perceber a existência de algo bom, sem que exista algo ruim, diretamente oposto a esse algo bom. Seria como afirmar que o homem não consegue caminhar em uma claridade completa porque essa ofusca os olhos, mas também não pode caminhar nas trevas porque não conseguirá ver o caminho. É preciso que haja pelo menos uma penumbra para que o homem possa enxergar a luz que emana do amor, da alegria e poder caminhar nessa direção.

Aceitar que a vida humana possa ser preenchida com apenas situações prazerosas, iluminadas, é alienante e utópico, mas também aceitar que a vida é apenas um martírio, uma escuridão completa é se entregar aos braços da morte. É preciso compreender que a dinâmica da vida é justamente essa, mortes que geram vidas, tristezas que tornam alegrias, sofrimentos que fazem o homem mais maduro.

Estar consciente da dualidade da vida humana permite que se percebam as trevas no interior humano, mas são elas, as trevas, que motivam e permitem que o homem caminhe rumo a luz e a fonte que poderá saciá-lo. Aqueles que se contentam com uma pequena faísca, encaram a vida com grande superficialidade, e por não saberem por onde andar, encontram-se parados pelo caminho imaginando terem alcançado tudo o que já podiam ter conseguido. É a eterna fuga das trevas que faz com que o homem caminhe rumo à luz.

Ser plenamente feliz se torna prescindível quando se está buscando viver, sempre navegando rumo às luzes que nos conduzem ao porto seguro. Navegar não é simplesmente encarar águas mansas, mas também mares bravios, e nesse contexto ser plenamente feliz é impossível para o homem enquanto homem, porque o impulso que se dá rumo a felicidade é oriundo das tormentas, e a felicidade plena, ao menos nesse mundo, não é um lugar aonde se pode chegar e ancorar, mas sim o movimento, o se por a caminhar rumo a ela.
Ser feliz é viver.

Sobre a percepção e o entedimento...

O que se entende ou conclusões que se chega a respeito dos fatos do cotidiano da história humana, ou mesmo reportagens e estudos filosóficos, políticos e históricos podem ser realizados totalmente de forma objetiva ou sempre haverá alguns traços, mesmo que sem intenção, de subjetividade do observador?
Antes de aprofundar primeira questão proposta é preciso que se entenda como que os fatos e acontecimentos são percebidos pelo homem.

A percepção humana dos fatos pode se assemelhar muito com o sistema visual humano. O campo de visão é formado no cérebro a partir do que é enxergado pelos dois olhos. Nas partes mais periféricas, esquerda e direita, há objetos que só podem ser percebido pelo respectivo olho, partes azul e amarela do esquema abaixo, enquanto no centro existem objetos que são enxergados pelos dois olhos, parte verde do mesmo esquema. O campo de visão, que está em vermelho, é formado a partir da composição de tudo o que é observado.
O campo de visão seria o que se entende ou se conclui sobre determinada situação. Um olho representa o que se percebe com toda a bagagem teórica, acadêmica, uma visão objetiva e o outro olho seria uma visão subjetiva, que é capaz de perceber objetos a partir das crenças, ideologias e da cultura do individuo.

No esquema acima podemos perceber que existem objetos que percebemos de forma objetiva e subjetiva, e, outros que são percebidos apenas por um destes modos.

Sempre que se foca em um objeto o mesmo é observado com os dois olhos, do mesmo modo quando o indivíduo se debruça sobre um estudo, se concentra na análise e entendimento de um fato, ele “observa com os dois olhos”, ou seja, de forma objetiva e subjetiva.

Também percebemos claramente que quando não se utiliza uma das formas de visão o campo de visão fica reduzido e alguns objetos podem não ser observados. Pode-se perceber que existem objetos que foram vistos, inicialmente, apenas de forma objetiva ou subjetiva, mas que quando o indivíduo observar o mesmo irá observá-lo objetivamente e subjetivamente.

Resta o questionamento se é possível fechar um dos olhos e para poder se debruçar apenas objetivamente sobre um fato, e ainda se os radicalismos são frutos apenas de uma visão subjetiva.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mais do que mitos...

Quando se estuda criticamente sobre as diferentes mitologias antigas é perceptível que diferentes povos, em diferentes épocas e localidades distantes, basicamente, buscam as respostas para as mesmas perguntas. A que podemos atribuir essa possível coincidência?


Conhecendo-se diferentes pessoas podemos perceber o quão diferentes umas são das outras. E as diferenças se acentuam ainda mais nos tempos antigos, afinal de contas não eram poucas as civilizações que viviam isoladas. Porém mitos de povos que nunca tiveram contato entre si revelam que ambos sempre buscaram saber de onde vieram, como tudo foi criado, para onde iriam, enfim as mesmas dúvidas que hoje boa parte das pessoas também carregam. Esses questionamentos são como que inerentes a natureza humana.


A necessidade por essas respostas inquieta o ser humano porque todas as pessoas precisam saber com rigor a que se aterem, todos precisam de uma certeza radical e universal, a partir da qual possam viver e ordenar numa perspectiva hierárquica as outras certezas particiais1. Por isso, basicamente, todas as pessoas possuem as mesmas perguntas e inquietações.


A essa altura não se pode deixar de fazer a seguinte pergunta, ou todos os seres humanos não são tão diferentes o quanto se pensa e por isso todos tem as mesmas inquietações, ou existe um artífice que conduz todos os homens na mesma direção?


Essa convergência não pode ser uma simples coincidência. Considerando todas as diferenças culturais e históricas seria estranho que todos os homens possuam as mesmas e necessárias dúvidas.


É bem claro como que existe algum Ser, um Deus, Aquele que É, que move os corações em apenas uma direção. É o próprio Deus que coloca no coração humano a sede da Verdade2.


Os mitos apontam para além de si mesmos, remetem a essa necessidade antiga e atual da criatura estar junto de seu Criador. São essas dúvidas que ainda hoje movem as pessoas na direção dessa resposta, que é uma certeza, mas acerca daquilo que não se vê3, e com isso o que para o cientificismo é uma atitude irracional por não possuir uma prova cientifica, torna-se fonte de paz e alegria para os crentes. Afinal de contas a fé não é apenas um mito, mas a confiança de que talvez não serão respondidas todas as dúvidas, e mesmo assim continuará havendo uma certeza radical e universal na qual cada homem poderá se ater.

1Cf. MARIAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p.04
2 Cf. AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p.142
3 Hebreus. Português. In: Bíblia sagrada. Ave Maria. 11,01. N. T.



sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Utopia?

Sinto saudades de batalhas que não participei. Sinto saudades de conquistas que não foram minhas. Sinto saudades de um tempo no qual eu não vivi.

Sinto falta de um tempo em que as guerras eram decididas cara a cara. Um tempo em que se prezava pela honra e civilizações lutavam pelo que acreditavam. Sinto saudades de reis e príncipes que lideravam seus exércitos nos campos de batalha e partilhavam do mesmo destino de seus soldados, ou morriam, ou venciam.


O que vejo hoje? Pessoas que já não conseguem lutar. Líderes políticos que se preocupam mais em defender seus interesses pessoais do que os do povo que eles representam.


Praticamente populações inteiras não se preocupam em tirar os seus olhos de seus próprios umbigos e lutar por algo que valha a pena. Quantos se contentam apenas com o que eles aparentemente representam e se esquecem do que realmente são?


Talvez esse tempo que sinto saudades nem tenha existido realmente, mas não me conformo com o modo com o qual tantos têm vivido, uma grande superficialidade preocupando-se apenas em saciar seus instintos mais primitivos de sobrevivência.


Como é frustrante perceber que existem tantos líderes que simplesmente desprezam os exemplos dos grandes líderes de nossa história. Onde estão os líderes que seguem o exemplo de Luther King, Madre Teresa, Gandhi e Dom Romero?


Seria demais sonhar com um mundo com pessoas que realmente vivam e que existam líderes que dêem a vida pelo seu povo? Seria demais acreditar que existem pessoas que percebam que o povo está como ovelhas sem pastor e se compadeça¹? Seria demais ter a esperança de que um dia o sol realmente nasceria para todos?


Enquanto isso continuo trazendo em meu peito essa "paz inquieta, feita de treva e luz desde o tempo em que conheci um profeta chamado Jesus."²


¹ Marcos. Português. In: Bíblia sagrada. Ave Maria. 6,34. N. T.
² Padre José Fernandes (Pe. Zezinho), Paz Inquieta

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Letras e Vidas



As letras são códigos indispensáveis para a transmissão de todo o conhecimento humano, o interessante é que sendo apenas uma letra, em raríssimas ocasiões ela possui um significado relevante.


Letras foram criadas para formarem sílabas, palavras e frases e assim transmitirem, mesmo que parcialmente, o que foi descoberto e aprendido, o que foi sentido e o que foi dito, os encontros e os desencontros.


Tanto poder há em um texto, vidas são tiradas, empregos conquistados, esperanças reencontradas. Transmite-se alegrias e tristezas, sonhos e pesadelos, semeia-se paz e discórdia, simplesmente por algumas letras que se reuniram e formaram palavras, palavras formaram frases, frases formaram parágrafos.


O único sentido da existência das letras é se unirem para formarem estruturas maiores, que possuem significados.


Da mesma forma é o ser humano nasceu para que em sua pequenez participe de estruturas superiores, que possuem sentido e significados nobres. Os homens são as letras com as quais quis Deus permitir que diferentes mensagens sejam dirigidas ao mundo, e do mundo a Ele.


Nascemos para participarmos de estruturas maiores do que nós mesmos! Enquanto estamos sozinhos pouco fazemos, mas reunidos em famílias, em comunidades quanto sinergia há! Realmente a soma das partes é inferior ao todo, uma família seja de três ou dez pessoas é uma família que transmite mensagens de amor, paz, harmonia que supera qualquer mensagem que possa ser vivida individualmente. Um povo reunido é capaz de escrever e construir um mundo diferente.


É preciso que muitas coisas sejam ditas à sociedade atual para que se devolva a esperança de dias melhores a tantos que já vivem sem um horizonte. E essa mensagem é escrita, quando as letras, as pessoas, estão no lugar correto, formando sílabas e palavras, que são capazes de mostrar que é possível encontrar um lugar, o nosso lugar.


Que nós consigamos nos organizar para que as nossas vidas não sejam sem sentido, mas que unidos a tantos outros transmitamos, escrevamos, essa mensagem de Amor e paz que o mundo tanto precisa: o que é importante não é o que produzimos, ou quanto prazer podemos dar ou receber, que o importante é descobrir quem somos, o nosso valor, e que mesmo sendo únicos somente vivendo juntos as nossas vidas tem sentido e o seu verdadeiro valor.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A história não é opcional...

A história de uma pessoa ou de alguma espécie de associação não é opcional para quem deseja vivenciar de verdade a sua vida, uma amizade ou a participação em alguma comunidade.


"O ser humano nasce só uma vez em um ambiente histórico específico, com qualidades históricas específicas e, dessa forma, ele só é completo quando possui uma relação com essas coisas."¹ Como se pode tornar completo se desprezando a nossa história e a história de nossa família, de nosso povo? Conhecer o passado não é simplesmente saber de fatos que já aconteceram, mas é também ter subsídios para a tomada de atitudes no presente e para a valorização da vida e da sociedade.


Não posso dizer que sou amigo ou que possuo algum amigo se não partilho a minha história com ele. E conhecer a história, a vida do outro é carregar um pouco dele dentro de nós. Apesar de toda a distância que pode existir, a pessoa amada sempre estará em nosso coração, porque quando se partilha histórias se dá o que há de mais precioso em nós para o outro, o que já vivemos. Partilhar história é partilhar vida, e só partilhamos a vida com quem confiamos e amamos, por isso amigo que não conhece a vida do outro, sinto muito, por mais que possa ter ajudado, não é um amigo de verdade.


Um ponto que talvez seja um pouco mais polêmico é sobre a necessidade de se conhecer a história da nossa sociedade para que se possa dialogar com a mesma. Para muitos chega a ser fútil o estudo do que já se passou em nosso país, mesmo que seja na história recente. Querem crescer e ajudar um país a crescer sem conhecer a sua história. Não tenho dúvidas que há uma grande chance de ser um fiasco a empreitada de quem se aventura buscando contribuir para o crescimento da sociedade humana desprezando todos os acontecimentos que nos levaram a chegar até aqui.


"Se você cresce sem ligação com o passado, é como se você nascesse sem olhos e ouvidos [e] isso é uma mutilação do ser humano."² Se conhecer, conhecer as pessoas com as quais nos relacionamos e o mundo no qual vivemos não é opcional. Talvez os relacionamentos, as pessoas, a sociedade fossem um pouco menos superficiais se os indivíduos conhecessem a sua história.


Se você deseja viver de verdade, se descubra, perceba o que você já viveu. Se você que ter um relacionamento profundo com alguém partilhe sua vida e conheça o que ele já viveu, deixe que os outros levem um pouco de você, mas que também carregue um pouco dos outros, de suas histórias. Se você quer fazer desse mundo um lugar melhor, conheça o mundo, a sociedade na qual você vive para a partir daí poder realmente ajudar o ser humano a se desenvolver. A história não é opcional para quem deseja viver e ser protagonista.



¹ Jung, The Houston Films


² ibid.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Uma nova educação litúrgica

O trecho que segue abaixo foi retirado da obra Deus e o Mundo de Joseph Ratzinger a fim de responder, ao menos parcialmente, a questão que foi proposta no final do artigo anterior. A minha intenção não era a de colocar esse complemento referindo-se apenas a liturgia, mas face aos diversos comentários que foram feitos em virtude do exemplo utilizado para esclarecer o princípio que eu defendia no texto farei essa cessão.

"Em substância, o primeiro passo para uma futura reforma litúrgica seria derrotar a tentação de uma atitude despótica, que concebe a liturgia como objeto de propriedade do homem, e despertar novamente o seu senso interior do sagrado. O segundo passo consistirá em avaliar onde os cortes foram drásticos demais [da reforma promovida por Paulo VI] e restabelecer de forma clara e orgânica as conexões com a história passada. Eu mesmo falei, neste sentido, de reforma da reforma. Mas, na minha opinião, tudo isso deve ser precedido por um processo educativo para represar a tendência para a mortificação da liturgia com invenções pessoais.

Para uma conscientização reta em matéria litúrgica, é importante deixar de lado a atitude de suficiência em relação a forma litúrgica em vigor até 1970. Quem hoje sustenta a continuidade dessa liturgia ou participa diretamente de celebrações dessa natureza é marginalizado e culpabilizado; não há tolerância nenhuma a respeito. Nunca aconteceu algo assim na história; dessa forma, todo o passado da Igreja é desprezado. Como confiar no seu presente se as coisas estão dessa forma? Tampouco entendo, para ser franco, por que tanta submissão por parte de muitos confrades bispos, a respeito dessa intolerância, que parece um tributo obrigatório ao espírito dos tempos.

Tudo depende da existência de lugares exemplares nos quais a liturgia seja celebrada corretamente, nos quais possamos viver pessoalmente o que ela é; desses lugares brotará uma espécie de movimento que perseguirá de dentro o que não pode simplesmente ser imposto de cima.¹


¹ Joseph Ratzinger, Deus e o mundo, p. 379s

quarta-feira, 16 de junho de 2010

E sereis como deuses...


O primeiro pecado das religiões judaico-cristãs não ficou restrito ao seu tempo e espaço, o mesmo atravessa toda a história humana estando fortemente presente na sociedade atual.


A narrativa do pecado original pode ser tida como um mito, mas a preciosidade e a contribuição que esse texto traz para as pessoas não está em sua veracidade histórica e sim na percepção que o autor sagrado teve do comportamento humano. O pecado original não está apenas na queda de Adão, mas é o primeiro passo para a queda de muitos homens e mulheres em suas diferentes dimensões, afetiva, familiar, profissional, etc.


"E sereis como deuses", esse trecho demonstra claramente a vontade que está enraizada no homem, depender unicamente dele mesmo, ter todas as situações sob o seu controle. Característica essa muito incentivada pela cultura "New Age" na qual cada pessoa é capaz de realizar tudo aquilo que ela acredita poder fazê-lo e as suas limitações não tem a compreensão e abordagem adequada para que se tenha uma psique sadia.


Não se trata apenas de afirmar que não se deva buscar sempre ser um ser humano melhor, a melhoria deve ser constante, mas não se pode esquecer que existem limites, pontos dos quais os seres humanos não podem ultrapassar e mesmo naquilo que cada pessoa já está devidamente preparada para realizar, seja profissionalmente ou pessoalmente, o erro, a falha serão sempre fantasmas que as acompanharão. Se o erro, a queda é inerente ao ser humano, querer ser como um deus é uma utopia, um ponto inatingível.


A segunda parte da motivação da serpente para que Eva coma o fruto proibido é que ela seria "conhecedora do bem e do mal", esse é outro ponto que está claramente presente no mundo atual. Quantas pessoas acreditam saber o que é correto se fazer em uma determina ocasião e ignoram todos os conselhos ou mesmo as normas já existentes?


Problemática essa muito presente, por exemplo, no seio da Igreja Católica onde vários padres se conferiram o direito de poder modificar os ritos fazendo o que acreditam ser o melhor, mas sequer fazem idéia das conseqüências que esse fato tem sob os crentes.


"O rito é um movimento em e para a profundidade. Os ritos não são inventados; são encontrados, descobertos, vivenciados e surgem a partir do encontro arquétipo com o profundo."¹ O grande problema que os sacerdotes católicos, tido como modernistas, podem inserir na psique dos fiéis católicos é a retirada da profundidade do sentido da existência humana. Com gestos e atitudes que visam apenas o ser fisiológico se esquecem que não basta apenas suprir as necessidades do corpo ou mesmo provocar descargas hormonais para que gerem sensações prazerosas.


Quando o ser humano vivencia o rito essa condição "traz paz e é isto que confere o único significado à vida humana."² Viver o rito é retomar o encontro com o Si - mesmo, com Deus. Um simbolismo que remete a um fato passado, mas que proporciona um encontro no presente com a nossa realidade transcendente.


Porém, "repetidos, os ritos perdem a capacidade de apontar para além de si mesmos."³ A vivência do rito não pode ser uma vã repetição4, sendo o rito um movimento em e para a profundidade quando o mesmo é vivido traz consigo sempre algo de novo. Isso faz com o rito sempre seja um novo encontro, para quem vive o rito católico, comungar não é sempre a mesma coisa, o ofício divino não é sempre igual, a liturgia não é apenas uma vã repetição é sempre um novo encontro com Deus.


É imprescindível saber discernir o certo do errado, ser "conhecedor do bem e do mal", porém o erro, o pecado, é quando o critério é subjetivo. O que pode garantir que avaliação seja sempre correta? Que quando se crítica ou se propõe modificar algum ponto, algum rito do homem, da sociedade ou da Igreja foi realizado um julgamento justo?


Questões difíceis que demandam muitas linhas para que se tenha uma resposta razoável, mas que me proponho fazê-la no próximo artigo. Entretanto, para aqueles que tem fé em Cristo Jesus, não é necessário se delongar nessa questão já que Cristo é o modelo do homem ideal e a sua regra é o amor.


¹ James Hollis, Sob a sombra de saturno, p. 23
² Ibid., p. 23
³ Ibid., p. 23
4 Mt 6, 7

terça-feira, 8 de junho de 2010

Tantos...


Tem muita gente com muito medo de Deus e nem se dá conta que possui esse sentimento.


Paulo afirma que a nossa vida está escondida com Cristo em Deus, logo ter medo de Deus é também ter medo de viver. E o que é viver?


Viver é conhecer a si mesmo, reconhecer limitações e imperfeições que todos os seres humanos possuem. Viver é ter a coragem de reconhecer que não é tudo que depende de si próprio. Viver é amar, desejar o bem a todos. Viver é ser humano. Viver é ter a coragem de gritar que sou fraco, que não dou conta sozinho. Viver é saber apreciar tudo que o mundo nos oferece sem tomar posse de nada. Viver é ser amado, viver é ser ajudado, viver é ser perdoado. Viver, viver, viver. Não existem palavras que possam expressar as ações decorrentes desse verbo com apenas cinco letras.


Muitos se contentam em sobreviver, basta saciar seus apetites, seus instintos, seu ego, esses se diferenciam dos animais pelo fato de usarem cartões de crédito e dirigirem carros, entre outras coisas. Essas pessoas não se conhecem, se não se conhecem não se amam, já que não se pode amar aquilo que não se conhece. Quem não se ama e ama as outras pessoas pode dizer que vive?


Se encontrar com Deus, é encontrar a vida, é aprender a viver. É estar ciente das dificuldades presentes com a cabeça erguida.


O encontro com Deus faz com que pessoas fracas, pequenas, loucas, sejam promotoras de mudanças profundas no meio em que elas vivem. O encontro com Deus dá a pessoa coragem de ser feliz apesar de tudo que possa dá errado.


A sociedade está do jeito que está porque faltam pessoas com a coragem de viver, muitos perderam o sentido da vida. O encontro com Deus não é simplesmente uma experiência individual, seria muito pouco. Quando uma pessoa se encontra com Deus e, com isso, vive, a sua experiência pessoal passa tão despercebida e promove poucas mudanças ao seu redor quanto o fato de se acender uma luz em um quarto escuro. Uma lâmpada, uma experiência individual, mas que faz a diferença em todo o seu entorno.


Tantos com medo de Deus, tantos depressivos, tantos com medo de viver, tantos mortos vivos, tantos com medo de ser feliz, tantos nas trevas...

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Deus caiu do céu...

Deus caiu do céu para dentro da psique humana¹. Esse conceito é verdadeiro? Até que ponto essa realidade é benéfica?

Primeiramente é importante que se entenda o que se propõe de como se deva entender a queda de deus. Durante milhares de anos deus era uma realidade transcendente com a qual o ser humano precisava lidar. Era tido como algo inexplicável, não havia grandes pretensões de se compreender as entidades divinas. Deus é deus, é o que é e pronto.


Porém a partir do século XV deus começou a se personalizar e adentrar a psique humana. O ser humano começou a descobrir uma realidade que realmente é verdadeira, existe dentro dele uma entidade transcendente, que não consigue explicar. Após o encontro com essa entidade se estabelece uma relação de submissão do ego a essa entidade que Jung denomina o Si-mesmo, e no Cristianismo seria a sétima morada, ou seja, o lugar de encontro com Deus, a realidade transcendente.


Porque essa realidade não pode ser totalmente compreendida? Só se compreende aquilo que se pode incorporar. É como se a mente fosse uma caixa e os objetos compreensíveis são aqueles que cabem totalmente nessa caixa. Aquilo que é maior do que a caixa só pode-se compreender a parte que cabe na mesma.


Essa valorização do ser humano, sobretudo abrindo os olhos para perceber que o Sagrado habita nele é extremamente positiva, porém com o passar dos anos chegou-se a um processo, que se aproxima do seu ápice. Esse pode ser considerado como a total personalização do transcendente para que o mesmo possa ser compreendido. Eis o grande problema, ainda usando a metáfora da caixa, o transcendente, Deus, o Si - mesmo não cabe na caixa da compreensão, mas nesse processo atual a imagem está sendo deformada e reduzida para que possa ser incorporada pelo nosso ego e com isso compreendido.


Com essa deformação gerou-se um grande problema, muito atual, a perda de sentido para a vida. Porque enquanto não se encontrar com a realidade transcendente, enquanto não se tiver um encontro pessoal com Cristo e com isso encontrar a vida que está escondida com Cristo em Deus, não se encontrará com o Si - mesmo, e sendo assim o indivíduo não será homem verdadeiro e autêntico, protagonista de sua existência.


A problemática se dá pelo fato de reduzir o incompreensível aos conceitos já conhecidos e esquecendo que existem objetos que não podem ser compreendidos, que por serem transcendentes, não cabem na caixa de nosso entendimento.

Com isso a crise de sentido surge do fato de que a partir do momento que deformamos a nossa imagem de deus, não nos encontramos com o Si - mesmo. E a importância desse encontro se deve ao fato de que ele se torna uma fonte que fecunda e dá sentido a nossa existência. Diante do mistério os nossos conceitos não têm mais aplicação, posso apenas observar alguns aspectos dessa realidade, mas não posso compreendê-la já que essa realidade é maior do que o meu ego, maior que a minha capacidade de entendimento.


A vida humana transcende a tudo que já conhecemos, não há filósofo que possa responder a todas as questões sobre a vida, e quando se arrisca ir por esse campo deforma e diminui a grandeza da vida humana. Somos transcendentes, o Sagrado habita em nós. O homem é um grande mistério. O homem é incapaz de compreender por si mesmo o sentido de sua existência. O que fazer diante dessa realidade? É preciso aceitar os fatos e mergulhar nesse mistério, não buscando explicações, entendimento , mas apenas vivendo e nunca se esquecer de tirar as sandálias dos nossos conceitos porque o lugar que se irá pisar é Sagrado.




¹ Edward Edinger, Ciência da Ama, p. 13

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Evolua, cresça, viva!


Existe um processo normal da psicologia humana que faz com que o homem procure uma razão que legitime seu modo de proceder. Porém essa busca nem sempre é honesta e correta, mas como se podem qualificar as razões que justificam as atitudes do homem?

Há valores que independem da religião e de certo modo até mesmo da cultura, visto que nada pode ser mais importante do que a vida e a dignidade da pessoa humana. Esse pode ser um parâmetro para se qualificar as razões que impelem um homem a agir. O fluxo normal para a tomada de decisão parte de um motivo, uma razão, fruto do caráter da pessoa que a leva a tomar determinadas atitudes conforme a situação pode exigir, mas esse processo não garante que a decisão tomada seja a correta.

Porém um grande problema atual é a inversão do fluxo de tomada de decisão, as ações e atitudes já foram escolhidas, mas é preciso de uma razão que as legitime para que haja uma coerência entre o que eu penso e o que eu faço. Isso é maquiavélico, os fins justificam os meios. Com isso podemos continuar agindo das piores formas possíveis porque sempre pode se encontrar um motivo para a minha ação.

Nessa situação o problema não se resume somente ao mal que é feito ao próximo, mas a primeira vítima e maior prejudicado dessa forma de ser é o próprio indivíduo que age assim. Esse prejuízo se dá porque a pessoa não consegue amadurecer, não consegue encontrar consigo mesmo, e com isso não consegue ter uma vida autêntica, ser protagonista de sua própria existência.

Jung afirma que as pessoas que estão destinadas a viver autenticamente, ou seja, viver de verdade, precisam encontrar com o Si-mesmo. Esse encontro promove uma verdadeira revolução na psique humana porque o indivíduo passa a ser o senhor das suas ações e das suas emoções. Mas porque abordar essa temática quando está sendo tratado sobre as razões que levam o ser humano a agir?

Para se encontrar com o Si-mesmo é preciso enfrentar todas as fraquezas humanas, é preciso enfrentar tudo o que está na sombra do inconsciente. Durante a infância coloca-se tudo aquilo que não se quer ser nessa sombra, é um processo normal da formação do ego humano. Porém na idade adulta esses fatos precisam ser encarados e resolvidos para que se tenha uma vida autêntica.

Quando não se encaram esses fatos a pessoa pode ser tomada a qualquer momento pelo inconsciente e com isso as atitudes irracionais podem muitas vezes parecer as mais racionais, e com isso se busca o motivo para legitimar as ações que na maioria das vezes egoístas e "burras".

Para se ser um homem integrado, com autodomínio, com os pensamentos serenos e atitudes racionais é preciso se enfrentar tudo aquilo que, muitas vezes, pela projeção se percebe no outro e é o que está errado no próprio indivíduo. Com isso há pelo menos duas atitudes possíveis, procurar uma razão para agir duramente contra a pessoa na qual se projeta a sombra ou então encarar e buscar resolver esse conflito que há em na própria pessoa.

O que leva a agir, é o que dá sentido a vida, se não se sabe o que motiva as ações, se não se conhece e enfrenta os fantasmas que habitam a psique humana, se não se busca conhecer "quem eu sou verdadeiramente", pode-se afirmar que se vive?

A vida é mais do que a busca de razões para legitimar as atitudes, a vida é muito mais do que julgar nos outros o que precisa ser mudado no próprio indivíduo, a vida é muito mais do que se pode dizer a respeito dela.

Enfrente seus fantasmas, não julgue, não se contente ficar no banco de reservas do jogo que é a sua vida, questione seus motivos e encare quem você é realmente. Evolua, cresça, viva!