sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ser feliz...


Talvez não exista ninguém que tenha dito que “nasceu para ser feliz”; mas existe alguém que pode ser plenamente feliz?

Já filósofos por volta do ano 650 a.C. perceberam que as forças existentes na natureza, e, sobretudo, no interior do homem existem de tal forma que sempre há uma que se opõe à outra, alegria e tristeza, prazer e dor, amor e ódio, vida e morte.

Nesse jogo de forças opostas o homem pode ser jogado de um lado para o outro. Sempre um lado contribuirá para satisfazer, “preencher”, e o outro para “esvaziar” o homem. Se considerar o primeiro como sendo o lado claro, iluminado e o segundo como o lado escuro, trevas, poder-se-á perceber como o ditado popular que diz “só se valoriza aquilo que perdeu” tem sentido.

Quando o homem está satisfeito, está “na luz”, ele pode não perceber que caminha para as trevas, para a insatisfação, porque o homem que está saciado, muitas vezes pode se tornar acomodado. Quando se está na luz talvez não seja fácil perceber onde a treva se encontra, mas nesse caso a recíproca não é verdadeira. Quando se está nas trevas, insatisfeito, o menor feixe de luz pode ser suficiente para quebrar a escuridão e orientar o homem rumo à luz.

É como um navio que ao longe avista a luz de um farol, a luz não é suficiente para dissipar toda a escuridão da noite, mas já é suficiente para indicar por qual caminho seguir. Schopenhauer afirma que não se pode perceber a existência de algo bom, sem que exista algo ruim, diretamente oposto a esse algo bom. Seria como afirmar que o homem não consegue caminhar em uma claridade completa porque essa ofusca os olhos, mas também não pode caminhar nas trevas porque não conseguirá ver o caminho. É preciso que haja pelo menos uma penumbra para que o homem possa enxergar a luz que emana do amor, da alegria e poder caminhar nessa direção.

Aceitar que a vida humana possa ser preenchida com apenas situações prazerosas, iluminadas, é alienante e utópico, mas também aceitar que a vida é apenas um martírio, uma escuridão completa é se entregar aos braços da morte. É preciso compreender que a dinâmica da vida é justamente essa, mortes que geram vidas, tristezas que tornam alegrias, sofrimentos que fazem o homem mais maduro.

Estar consciente da dualidade da vida humana permite que se percebam as trevas no interior humano, mas são elas, as trevas, que motivam e permitem que o homem caminhe rumo a luz e a fonte que poderá saciá-lo. Aqueles que se contentam com uma pequena faísca, encaram a vida com grande superficialidade, e por não saberem por onde andar, encontram-se parados pelo caminho imaginando terem alcançado tudo o que já podiam ter conseguido. É a eterna fuga das trevas que faz com que o homem caminhe rumo à luz.

Ser plenamente feliz se torna prescindível quando se está buscando viver, sempre navegando rumo às luzes que nos conduzem ao porto seguro. Navegar não é simplesmente encarar águas mansas, mas também mares bravios, e nesse contexto ser plenamente feliz é impossível para o homem enquanto homem, porque o impulso que se dá rumo a felicidade é oriundo das tormentas, e a felicidade plena, ao menos nesse mundo, não é um lugar aonde se pode chegar e ancorar, mas sim o movimento, o se por a caminhar rumo a ela.
Ser feliz é viver.

Um comentário:

  1. É gente quando achei q li quase td (pretensão a minha!), me deparo com este excelente artigo q me fez confrontar com minhas dualidades pessoais, não só isso, percebi q era pragmático para muitas coisas e com o texto acima desanuviou a "vista" e enxerguei q o bom da vida é o contraste, isso sim nos impulsiona a querer ser feliz. Seria monótona, a vida, sem esse dualismo.
    Valeu, mais uma vez, por partilhar suas ideias, foi um "luzeiro".
    Nem Descartes escreveria melhor, oh q responsabilidade!
    Falastes comigo, ora pois!

    Fabio Soares

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